Países membros estão perto de pacto para que não sejam não proibidas ou restringidas exportações de alimentos adquiridos por razões humanitárias pelo PAM
Os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) estão próximos de um acordo para que não sejam proibidas ou restringidas exportações de alimentos normalmente adquiridos por razões humanitárias pelo Programa Alimentar Mundial (PAM), apurou o Valor.
A pandemia exacerbou a insegurança alimentar, e 22 países adotaram restrições às exportações de produtos agrícolas como arroz, milho, trigo. Essas ações geraram turbulências na cadeia de suprimentos, como o cancelamento de contratos e elevação de preços. A maioria das medidas já foi revertida, mas o risco de recaída permanece com a segunda onda de covid-19 em diversos países, e novos lockdowns.
Para o PAM, agência da ONU que ganhou o Prêmio Nobel da Paz neste ano, o fluxo contínuo das cadeias de suprimento de alimentos é crucial. Ainda mais num cenário em que a volatilidade dos preços de combustíveis e as incertezas nos mercados tendem a continuar no futuro próximo e ter impacto nos custos internos do transporte de alimentos, que já subiram de 10% a 15% neste ano.
O PAM estima que o número de pessoas com insegurança alimentar aguda nos cerca de 80 países onde opera pode aumentar para 270 milhões antes do fim de 2020, uma alta de 82% em relação ao período pré-pandemia. O número de pessoas atingidas severamente pela insegurança alimentar no mundo já tinha crescido 70% nos últimos quatro anos, por causa dos efeitos da mudança climática e de choques econômicos e sociais.
A agência da ONU calcula que entre 7 milhões e 8 milhões de pessoas já morreram de fome neste ano. O número poderá dobrar, triplicar ou quadruplicar se o PAM não conseguir os fundos que necessita para ampliar a assistência.
Foi nesse cenário que Cingapura reativou, em uma reunião de ministros de Finanças do G20, uma proposta apresentada pela primeira vez há dez anos. Mas desta vez, com o impacto devastador da covid-19 e mais pessoas morrendo de fome, um bom número de países, incluindo algumas nações da Africa, do Caribe e do Pacífico, aceitou que um facilitador procurasse acelerar um compromisso.
O facilitador é o diplomata brasileiro Leonardo Rocha Bento. Após consultas com os países, foi acertado um texto que será levado ao Conselho Geral da entidade nos dias 16 e 17, com basicamente uma frase que determina isenção nas compras do PAM. A proposta tem agora mais de 40 copatrocinadores, incluindo EUA, China, União Europeia e Japão. O Brasil defende a proposta, mas, como facilitador, não entrou na lista para preservar a neutralidade do processo.
Mas, como nada é fácil na OMC, ainda há resistência por parte de Índia, Paquistão, Turquia e alguns países africanos e caribenhos. Eles temem que, por serem fornecedores do PMA, a isenção proposta possa colocar em risco a segurança alimentar de suas próprias populações.
O PAM, entretanto, vem reiterando o princípio do “no harm” em sua política de compras. Ou seja, a agência da ONU não compra alimentos de países onde não há excedentes. E diz realizar também um amplo monitoramento de mercado para evitar prejudicar a segurança alimentar dos fornecedores.
A avaliação na cena comercial é que, no fundo, esses países estão apontando objeções ao acordo por razões políticas, não técnicas, e que não querem resultados em segurança alimentar que não contemple também outras negociações de seu interesse na OMC.
Fonte: Valor Econômico 08.12.2020
